Hunger

Salto em redor ao meu próprio corpo e levanto os braços bem alto em direcção ao universo. Sinto o vento a tirar os cabelos negros da minha cara e trinco os lábios vermelhos de prazer. E contínuo a saltar, a correr descalça pela relva, a saltar em riachos e sinto o sol quente a penetrar-se na minha pele.

Deito-me nas relvas altas e rasgo com os dentes a pele suave das cerejas. O aroma do sumo pinga o meu queixo e passo com a mão para o recolher e devolver aos meus lábios. Tudo é belo e tudo é melodia. E danço com o vento, corro com os pássaros e sinto a corrente da água entre os meus dedos.

Nada em mim é frágil. Sinto-me fogo, incansável, indomável e livre. E sinto esta fome enorme, de viver tudo ao limite, de sentir tudo intensamente, de viver. De rir, chorar, correr, deitar, comer, amar, entregar-me ao prazer, sonhar, cair, lutar. Fome de ser e ser-se intenso. 

Quando morres e renasces há uma fome enorme dentro de ti. Há um fogo que nunca se apaga, uma resiliência e um medo de voltar a não ser livre que te torna indomável.

Então sou assim: lanço os meus braços bem altos ao universo, grito no topo das montanhas, sinto o meu avô em todas as brisas, sinto-me amada em todos os raios de sol e grata por todas as cerejas que rasgo nos meus lábios.

Fome. Fome de amor, prazer, sonhar, voar. 

Quando tudo parece perdido eu sei que me vou encontrar. Porque já renasci e aprendi que podem-me fazer de tudo mas nunca vão rasgar o meu espírito. E sempre que fecho os olhos vejo-me aos saltos com os braços bem altos, a recolher todos os por de sois, a dançar sobre as estrelas e com o aroma de cerejas e pêssegos no meu pescoço.
A minha melodia pode parecer mil e um sons inquietantes e incorrectos mas sinto-me plena e forte. Por mais que grite, salte contra paredes invisíveis, me perca e me renasça, eu sou livre.
Sou livre, sou fogo. E tenho fome de mais.

Fotografia por Ana Araújo