O reino do medalhão. Cap. 2
Pascal.
Os ventos arrepiavam-se sempre que embatiam naquela pequena
casa de granito e o dia estava incrivelmente obscuro. Pascal assava nervosamente
um bocado de carne, suficiente para dois homens feitos, enquanto rezava sob a
forma de um segredo. Um segredo terrivelmente assustador.
- Alaina, vem aqui filha- disse enquanto com os seus dedos
gordurosos fazia pressão no cimo do seu nariz- minha querida filha... Minha
querida criança... - A sua voz começou a tremer- Meu amor, aconteceu uma
coisa... Olha faz um favor ao pai. Prepara um saco com uns trapos, roupas para
nos aquecer. Nada de mais... Que não seja muito pesado sim? E noutra põe um
pouco de pão, legumes e fruta... Sim, minha pequena?
- É por causa do senhor Arvo papá? Eu ouvi-te a falar com a
Melinda e com aqueles senhores... Vamos fugir... Papá?
- Minha criança, nada tenhas a temer. Vai tudo ficar bem,
juro pelos deuses que olham por nos!!!- disse Pascal com uma voz cortante,
enquanto o que pensou foi: Os nossos deuses há muito perderam a visão minha
filha inocente, e tu devias estar longe deste Império.
Alaina esboçou um sorriso puro, tão puro que só uma criança
nos seus nove anos de idade esboçaria nestes tempos, e dirigiu-se para o quarto
comum do pai e das suas duas filhas.
Ao ouvir a sua filha a cantar a música do Império, uma
lágrima escorreu pelo seu rosto, enquanto os seus olhos molhados despediam das
suas árvores, do seu campo verde e rico de vida, das flores que Melinda
cultivava para trazer alegria à casa. Quase que a podia ver sentada, encostada
ao pinheiro, com um bocado de grafite na mão a desenhar pardais. Deu por si a
perguntar-se se ela estava bem, se já tinha encontrado o Arvo e se estava a
caminho de casa. Temia pelo pior... Temia por... Já tinha perdido o amor da sua
vida, Nina, sua esposa adorada e mãe amada... Não suportaria perder uma das
suas filhas. Desde a morte de Nina que as suas filhas se tornaram na sua única
fonte de energia, de alegria, de vida. Mas Melinda herdou tudo da sua mãe: a
beleza, a coragem e a bondade. A única coisa que era do pai era o olhar:
intenso e negro. Bem que tentou-lhe persuadir a se manter afastada disto tudo e a
não ir em busca de Arvo mas não conseguiu. Afinal era o "tio" Arvo, o
tio que sempre fez tanto pela sua família. Como não ajudá-lo? E agora aqui está
Pascal a preparar uma última refeição, enquanto espera pela sua filha, pelo seu
amigo de infância a quem chama de irmão, e por mais cinco homens que se
juntaram a ele nesta causa: revolta, fuga, medalhão.
-Pa...PAI !!!- o grito de Alaina cortou-lhe os pensamentos.
Pascal correu para o quarto e encontrou a sua filha a janela a chorar, um choro
de pura angustia- PAI, a Melinda!! Olha... Ela tem flechas no corpo... Ela...
-Não!... Pelos dois deuses não!!- Sussurrou Pascal.
Correu para o seu quintal ao som da chuva até alcançar o
grupo de apenas cinco pessoas. Arvo vinha uma sem expressão no olhar enquanto
segura a fria mão de Melinda que estava no colo de Rickson. James e Loran assim
que alcançaram o olhar de Pascal esboçaram uma cara de pura tristeza.
- Ela ainda tem pulso- disse Arvo de forma passiva- ela
ainda tem pulso mas esta fraca. Eu perdi os sentidos após... E ouvi um grito, a
voz dela... Levantei a cabeça e vi-a com um largo sorriso a correr para mim,
com os seus cabelos ruivos cheios de vida... E uma flecha...
-Lamento imenso, meu amigo- suplicou Rickson- vamos rápido
para dentro, o calor pode ajudá-la.
- Você é uma fraude !!!- gritou Alaina- Eu ouvi o senhor a
dizer ao papá que darias a vida por ela !!!
Pascal embalou a sua filha nos braços, levando-a para casa
enquanto prendia as lágrimas.
-Minha doce criança, vai aquecer um bocado de vinho, e traz
mel e plantas secas sim? E não culpes ninguém... Ninguém a não ser o dono da
flecha.
Dentro de casa, pousaram a corajosa rapariga do cabelo de
fogo em cima da mesa, sob uma toalha velha e rasgada do uso. Pascal segurou com
força as mãos do seu bebé de dezasseis anos e dizia baixinho "Por favor
não vás, eu amo-te tanto" numerosas vezes. James cuidadosamente começou a
retirar as flechas do corpo, Rickson preparava um curativo com os mandamentos
trazidos pela pequena Alaina, que estava a ser embalada no abraço de Loran e
Arvo procurava fogosamente no livro um feitiço, algo que seja que pudesse
salvar a rapariga que o salvou. Depois de toda a arma inimiga, com o símbolo de
lobo marcado na sua madeira, ter saído da carne de Mel, o seu pai passou-lhe
carinhosamente o curativo na pele e Rickson massajava-lhe a testa com um pano
húmido.
- O seu pulso esta a ficar mais estável.- disse Rickson-
Eu... Lamento. Falhei. Fomos apanhados de surpresa.
-Eu sei.- Disse baixinho- Eu sei que se pudesses salvavas a
minha filha. Eu sei.- Apertava com força a mão da sua filha mais velha.
Alaina, mais calma, chegou-se a beira da irmã e começou a
fazer festas suaves na cabeça e a cantar baixinho:
"Mil folhas caem e mil flocos caem
Neste Outono amarelo
A árvore está mais despida
E o solo mais avermelhado
Tudo corre para o fim
Menos o meu amor por ti
Eu vou-te amar para sempre
No nosso infinito Verão"
- Desculpa dizer isto Pascal, mas não temos muito tempo-
disse James enquanto pegava num bocado de pão e de carne.- Isto é para ti. Vou
só aquecer vinho com mel para nos aquecer a garganta. Mas como estava a
dizer... A Melinda... Tem que vir connosco. Mas tem que vir. Isso é imperativo-
serviu Arvo- Temos pouco tempo e dois já morreram.
- Eu sei que isto é difícil meu irmão... Eu também sofro
pela minha Matilda. Mas os deuses olharam por elas...como fizeram comigo quando
era jovem. Temos que ir- deu uma trinca no seu pão e deixou cair uma gota de
gordura sob o livro de feitiços.
- Eu sei.- disse baixinho.- Eu sei que temos que partir.
Comam por favor, a Melinda vai deitada na carroça. Sei que demoramos mais mas…
só até ela melhorar. Depois seguimos de cavalo.
-Como desejas- disse Loran sorrindo enquanto recebia o seu
bocado de comida na mão.
Tanto Pascal como Alaina engoliam a seco a refeição: toda a
água se moviam para os seus olhos escuros. Cada elevação do peito da Melinda
era motivo para se sentirem gratos, pois as suas feridas eram imensas e profundas.
Tivera imensa sorte nos lugares onde a flecha aterrou.
-O que aconteceu aos outros?- perguntou Alaina.
-Eu não sei se devo dizer isto a tua frente, querida
criança- respondeu Loran.
-Podeis. Eu ouço as conversas do papá… Casa pequena. Eu sei.
- Um foi morto com uma flecha na garganta e outro comido por
um lobo da guarda… O Arvo conseguiu lançar um feitiço que nos trouxesse para
aqui perto. Desaparecemos assim, no ar. É o poder do medalhão aliado àquele
livro e ao sangue Lynn. Um poder tremendo…. Entende-se o medo do Imperio… E a
ambição.- Disse James com tristeza.
-Lamento esta nossa perda.- Sussurrou Pascal, de forma tão
baixa que quase só ele ouviu.
- Por Annerys e Annerya!- exclamou Arvos- Encontrei!
Consegui decifrar este feitiço… O elfo descobriu um feitiço para ajudar aqueles
a beira da morte!! Posso ajuda-la!- aproximou-se de Mel, segurou com a mão
esquerda o medalhão e pousou a outra na testa dela, e começou a ler para si o
feitiço. O vento começou a bater com mais força na janela e a chama que aquecia
o vinho e a casa aumentou, e quando sentia já o sangue a escorrer-lhe pelo
nariz do esforço finalizou o feitiço.
Os cinco homens e a criança aproximaram-se do corpo de Mel
cheios de expectativas e de um susto ela abre os olhos, húmidos e num tom
fraco:
-Eu vi para onde temos que ir.- Gemeu enquanto recuperava as
forças, entrando num transe profundo.



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