Sempre com os mesmos olhos (grandes e curiosos)

As vezes pergunto-me do que sou realmente feita. Quais as poeiras estelares brilham subtilmente nas minhas mãos, qual as nascentes que me dá voz, qual o Norte que me segue, qual a massa que se estende ao longo dos meus músculos.
Em boa verdade, sinto-me numa busca constante do que tenho sido, do que me tiraram, do que me acrescentaram. Procuro-me sentada numa rocha fria, percorro de olhos fechados todas as fendas que me cobrem e sinto o vento bem frio a dançar com os meus cabelos. A vida parece bem simples e bem mais bonita ao luar, não parece?
Já fui moída, construída, rasgada, desejada, destruída, salva. Já tantas almas encontrei nestas longas ruas e todas elas deixaram um pouco de si... muitas delas roubaram um pedaço de mim e eu sinto-me ás voltas no meio da autoestrada, rodeada de todas as faíscas de luzes coloridas e perdida. Sabes quando queres parar o tempo, roubar ao tempo o que te tiraram, agarrar toda a inocência e mudar o percurso? O que eu sinto é que, inevitavelmente, as pessoas com que te cruzas vão sempre deixar-te marcas. Vão mudar-te, vão transformar-te. Não há relógio nem bússolas capazes de mudar este destino. Irás sempre sentir todos os beijos, todos os olhares, todos os apertões. O bom e o mal. Os sorrisos e os gritos.
Quem sou eu? Como aqui vim parar? Penso em todos os pequenos sinais do que me viria a acontecer, do que me esperava, o porque. Porque é que teve que ser eu, teve que me acontecer? Porque tive que traçar este mapa, porque tive que mergulhar naquele rio?
Já fui moída, construída, rasgada, desejada, destruída, salva. Só sei o que sou quando o deixei de ser. Percorro a minha alma desde a minha infância até o meu último suspiro, sempre com os mesmos olhos grandes e curiosos. Talvez nunca venha a saber com precisão o que os meus dedos escondem no escuro, talvez nunca irei entender a minha sombra. Talvez ser exploradora de mim mesma, traçar o meu mapa deste turbilhão de incertezas e de confiança, faça de mim o que sou.
Mas estranhamente, sendo paradoxal como a própria vida o é, sinto-me mais genuína do que nunca.

Fotografia por Ana Ferreira



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