Hasta la vista!
As luzes eram pálidas e frias como o ar que se fazia sentir naquela casa de banho pública. Os vidros das janelas estavam partidos, o que fazia com que a chuva entrasse e acumulasse aos poucos, de uma forma tão discreta e irreversível. Apesar do barulho das buzinas distantes, dos passos apresados de uns tacões altos, dos cantos pássaros, um silêncio perturbador estava instalado.
As mãos dela seguravam o gelado lavatório com firmeza apesar de todos os tremeres. Tudo tremia nela, seja de frio ou de medo, de incertezas ou de desejos. Tudo parecia frágil, o cabelo molhado, os lábios vermelhos que se rasgavam de frio, a ponta dos dedos, o verniz preto a desaparecer ao pouco das unhas, a perna esquerda sempre a abanar. Tudo estava gelado e frágil. Tudo, menos o olhar. Confrontava-se, uma vez mais, sem desviar o olhar. Olhava-se nos olhos ignorando toda a sujidade e rabiscos a marcador no espelho, fixava-se nos seus olhos negros e assustados. Respirava fundo até não aguentar mais a dor que sentia a apertar o perto e mordia de força os lábios para sentir algo mais. Para sentir, para fugir da verdadeira dor, para desviar a atenção para um problema menor e esquecer o grande bicho papão.
As luzes piscam constantemente e o som do vento torna-se mais pesado mas isso não a assusta. Nada a assusta além das pessoas, aprendeu que as forças da natureza e os sinais "paranormais" dos filmes de terror são nada, comparando ás pessoas. Por isso é que fugia tanto, fugia das pessoas, dos sorrisos, do conforto e da segurança, fugia dela mesma. Tentava afastar-se de si mesma, a esconder o coração que carregava ao peito e ignorar todos os sinais de aquecimento. Porque dói. Porque asfixia, arde, aterroriza. Fantasmas. É assim como ela se sente: um fantasma do que outrora foi. E a perna não consegue parar de tremer, a dor apertar mais e morder o lábio não é suficiente. Já nada é suficiente quando tens uma guerra dentro de ti mesma.
Os olhos mantêm-se iguais: fixos no espelho, assustados mas com vontade de uma revolução. Até que se desviam por meros momentos, quando um pássaro pousa na beira da janela. Aquele pequeno pássaro, em tons de castanhos, filho do Outono como ela costuma chamar aos animais dos bosques chuvosos, tremia de frio e encolhia-se para sentir segurança. Claro que era curioso: Erguia a pequena cabeça em direcção ao céu cinzento e turbulento e, ás vezes, dava uns pequenos saltinhos em direcção aos vidros partidos. Somos todos animais, não é? Sentimos todos medo, fraqueza, força, curiosidade e sentido de sobrevivência. Mas não passa tudo de uma mera ilusão, isso da sobrevivência, não é? Porque, se tudo fosse tão linear e racional, o passarinho não saltava na direcção dos vidros cortantes para poder espreitar para o céu e absorver todos os sons e cheiros que entravam pela janela.
E esse pensamento tornou a sua dor no peito mais aguda, a respiração mais instável, os braços rapidamente se apressaram em abraça-la e as pernas cederam. Naquele dia chuvoso de Novembro ela estava caída na casa de banho de uma estação de serviço, a sentir. A sentir-se, a sentir a dor, a abraçar-se com força enquanto fixava o olhar nas All Star brancas, já rasgadas de tanto uso, tal como ela gosta. Este é o momento em que uma revolta se dá, o momento em que desistes de fugir e aceitas. E ela aceitou. Aceitou tudo, sentiu tudo e chorou tudo. E quando mais chorava, menos fixava o olhar, porque queria mesmo sentir. Sem distracções, sem projectar a dor num pequeno detalhe, sem enganar a dor com truques como arranhar-se ou morder o lábio.
A dado momento, quando já sentia mais leve e com um maior controlo da respiração, estava simplesmente sentada apoiada na parede da casa de banho a olhar para a janela. A ver as nuvens a deslizar pelo céu com rapidez, a diferenciar os tipos de cinzentos e prateados, a decorar os movimentos dos ramos... Até que o pássaro levantou voou. Voltou lá para fora, embora a tempestade não tenha de todo terminado.
Bem, as tempestades nunca irão acabar. Mas fugir não irá resolver nada, pois não? Então ela levantou-se, passou a cara por água e tentou disfarçar o que restava do eyeliner preto. Secou as mãos nas suas calças rasgadas, colocou o cigarro entre os seus lábios vermelhos e ao acender fez um olhar audaz ao espelho. Selvagem e audaz. Porque somos todos animais à procura de algo e ela encontrou, quando tudo parecia perdido, o mais importante: a sua força.
Hasta la vista, bitches!- E foi-se embora sem olhar para trás.
As mãos dela seguravam o gelado lavatório com firmeza apesar de todos os tremeres. Tudo tremia nela, seja de frio ou de medo, de incertezas ou de desejos. Tudo parecia frágil, o cabelo molhado, os lábios vermelhos que se rasgavam de frio, a ponta dos dedos, o verniz preto a desaparecer ao pouco das unhas, a perna esquerda sempre a abanar. Tudo estava gelado e frágil. Tudo, menos o olhar. Confrontava-se, uma vez mais, sem desviar o olhar. Olhava-se nos olhos ignorando toda a sujidade e rabiscos a marcador no espelho, fixava-se nos seus olhos negros e assustados. Respirava fundo até não aguentar mais a dor que sentia a apertar o perto e mordia de força os lábios para sentir algo mais. Para sentir, para fugir da verdadeira dor, para desviar a atenção para um problema menor e esquecer o grande bicho papão.
As luzes piscam constantemente e o som do vento torna-se mais pesado mas isso não a assusta. Nada a assusta além das pessoas, aprendeu que as forças da natureza e os sinais "paranormais" dos filmes de terror são nada, comparando ás pessoas. Por isso é que fugia tanto, fugia das pessoas, dos sorrisos, do conforto e da segurança, fugia dela mesma. Tentava afastar-se de si mesma, a esconder o coração que carregava ao peito e ignorar todos os sinais de aquecimento. Porque dói. Porque asfixia, arde, aterroriza. Fantasmas. É assim como ela se sente: um fantasma do que outrora foi. E a perna não consegue parar de tremer, a dor apertar mais e morder o lábio não é suficiente. Já nada é suficiente quando tens uma guerra dentro de ti mesma.
Os olhos mantêm-se iguais: fixos no espelho, assustados mas com vontade de uma revolução. Até que se desviam por meros momentos, quando um pássaro pousa na beira da janela. Aquele pequeno pássaro, em tons de castanhos, filho do Outono como ela costuma chamar aos animais dos bosques chuvosos, tremia de frio e encolhia-se para sentir segurança. Claro que era curioso: Erguia a pequena cabeça em direcção ao céu cinzento e turbulento e, ás vezes, dava uns pequenos saltinhos em direcção aos vidros partidos. Somos todos animais, não é? Sentimos todos medo, fraqueza, força, curiosidade e sentido de sobrevivência. Mas não passa tudo de uma mera ilusão, isso da sobrevivência, não é? Porque, se tudo fosse tão linear e racional, o passarinho não saltava na direcção dos vidros cortantes para poder espreitar para o céu e absorver todos os sons e cheiros que entravam pela janela.
E esse pensamento tornou a sua dor no peito mais aguda, a respiração mais instável, os braços rapidamente se apressaram em abraça-la e as pernas cederam. Naquele dia chuvoso de Novembro ela estava caída na casa de banho de uma estação de serviço, a sentir. A sentir-se, a sentir a dor, a abraçar-se com força enquanto fixava o olhar nas All Star brancas, já rasgadas de tanto uso, tal como ela gosta. Este é o momento em que uma revolta se dá, o momento em que desistes de fugir e aceitas. E ela aceitou. Aceitou tudo, sentiu tudo e chorou tudo. E quando mais chorava, menos fixava o olhar, porque queria mesmo sentir. Sem distracções, sem projectar a dor num pequeno detalhe, sem enganar a dor com truques como arranhar-se ou morder o lábio.
A dado momento, quando já sentia mais leve e com um maior controlo da respiração, estava simplesmente sentada apoiada na parede da casa de banho a olhar para a janela. A ver as nuvens a deslizar pelo céu com rapidez, a diferenciar os tipos de cinzentos e prateados, a decorar os movimentos dos ramos... Até que o pássaro levantou voou. Voltou lá para fora, embora a tempestade não tenha de todo terminado.
Bem, as tempestades nunca irão acabar. Mas fugir não irá resolver nada, pois não? Então ela levantou-se, passou a cara por água e tentou disfarçar o que restava do eyeliner preto. Secou as mãos nas suas calças rasgadas, colocou o cigarro entre os seus lábios vermelhos e ao acender fez um olhar audaz ao espelho. Selvagem e audaz. Porque somos todos animais à procura de algo e ela encontrou, quando tudo parecia perdido, o mais importante: a sua força.
Hasta la vista, bitches!- E foi-se embora sem olhar para trás.
Fotografia pela Joana Maria Pereira


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